quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Um blog para a História

EDITORIAL
Um blog! Um blog! Agora temos um blog! Mas o que é um blog? Por que os blogs despontam como elementos importantes na democratização da comunicação e da informação? Afinal... por que nós temos um blog?

O termo “blog” é uma redução de “weblog”. Web é a grande Rede (Worldwide Web). Esta que disponibiliza as informações que já estamos habituados a acessar sob a forma de hipertextos. Quanto a log, na linguagem da informática, é o registro que fica toda vez que acessamos um software. Por exemplo, o histórico de uma conversa através de um programa de messenger constitui um log. Mas para entender o que vem de fato a ser um blog, ou weblog, precisamos defini-lo, conhecer a sua história e o seu papel na sociedade contemporânea.

Em primeiro lugar, blog ou weblog é nada mais que uma página da Web, cujas postagens (ou posts) são organizadas cronologicamente na ordem inversa. Essas postagens geralmente são feitas sob a forma de textos escritos, mas (atualmente) podemos postar imagens, vídeos, entre outros formatos em um blog. Desta forma, podemos dizer que seu funcionamento segue a lógica de um diário pessoal, onde, a cada dia, podemos deixar um ou mais registros.
As postagens de um blog (alguns preferem aportuguesar a palavra para “blogue”) não precisam ter nenhuma homogeneidade. Não precisam corresponder a nenhum gênero de escrita específico, não precisam tratar dos mesmos assuntos e nem precisam ser escritas pela mesma pessoa. Além disso, os blogs abrangem uma variedade enorme de temas, finalidades e opções.
Há blogs que servem de fato como um diário pessoal que um indivíduo utiliza para publicar suas idéias, pensamentos ou apenas os registros daquilo que ele vivenciou. Para esta finalidade, os flogs (ou fotologs) são mais apreciados, pois trazem ferramentas para a organização de fotografias e imagens. Há também blogs utilizados para a divulgação de serviços ou de trabalhos. Estes têm caráter mais comercial.
Muita gente aderiu a essa onda dos blogs. Celebridades como Ivete Sangalo e Fernanda Lima embarcaram nessa. Mas não precisa ser famoso para ter um blog. Qualquer pessoa pode ter o seu. Basta acessar a internet e se cadastrar em algum site que ofereça hospedagem de blogs a custo zero, que são muitos. Os sistemas de criação e edição de blogs são muito atrativos pelas facilidades que oferecem, pois dispensam o conhecimento da linguagem HTML, o que estimula muito os interessados.
Há blogs de arte, de literatura, de poesia, de filosofia, etc. Escritores e intelectuais utilizam estes espaços para expor seus trabalhos e seus pensamentos, a fim de que possam (sem custos) submetê-los à crítica e à apreciação de um público eventual.
Existem blogs para todos os gostos na esfera política. Se Renato Rovái organiza um fórum mais alinhado com o governo, o grupo Abril oferece espaço para que Reinaldo Azevedo faça sua crítica neoliberal. Enquanto isso, uma centena de blogs oferece leituras alternativas da situação política do Brasil e do Mundo.
Mas um tipo de blog que vem ganhando muito espaço na Web é aquele produzido para debater assuntos da atualidade. Estes têm atraído não apenas a atenção de comunicadores renomados como Paulo Henrique Amorim, Mino Carta, Juca Kfouri e Marcelo Tas, como também jovens jornalistas e estudantes de comunicação. A grande mídia está na mira dos blogs, que despontam como força capaz de quebrar o oligopólio da informação.
A primeira definição de weblog foi dada em 1997 por Jorn Barger. Segundo ele, weblog seria uma página onde um diarista relata todas as outras páginas da Web que encontra. Os primeiros blogueiros faziam referências recíprocas, criavam uma relação incestuosa que amplificava as vozes uns dos outros ao criar interligação entre os blogs. Isso deu condições ao crescimento da comunidade. Até então, contudo, a criação e manutenção de um blog dependiam dos conhecimentos tecnológicos de seu autor.
A partir de 1999 várias empresas lançaram softwares que facilitaram a vida dos blogueiros, que não necessitavam mais dos requisitos técnicos, uma vez que estes passaram a ser gerenciados pelas empresas que, além de tudo, começaram a oferecer a criação dos blogs de forma gratuita. Tais mudanças surtiram um grande debate na comunidade blogueira em torno do papel dos blogs dentro da mídia.
O fato é que, no início dos anos 2000, o número de blogs não passava de poucos milhares. Atualmente, estima-se que a “blogosfera” seja constituída por mais de 70 milhões de blogs.
O estado de liquidez existente entre as condições de criador e receptor das mensagens é uma grande vantagem da comunicação desencadeada pela internet e, especialmente, pelos blogs. O criador compartilha a situação de receptor quando remete a outros textos e fontes através dos links, podendo transformá-los. O mesmo acontece quando o receptor pode interferir no texto, de forma quase tão imediata quanto a ação do criador de publicá-lo, ao deixar comentários ou criar novas postagens. Emissor e receptor situam-se no mesmo patamar.
Os blogs diferenciam-se da mídia tradicional por comporem uma rede de ligações (links) com outras fontes de informação (incluindo outros blogs). Os blogs entraram de vez no cotidiano de muita gente. Seus adeptos propõem a democratização da informação e da comunicação através da expansão dessa grande rede de ligações, que permite a constituição de uma mídia alternativa, agregando informações oriundas de diversas fontes, revelando diferentes pontos de vista e estabelecendo uma forma de “mídia participativa”.
Como se vê, essa é a história dos blogs, parte da história dos meios de comunicação como um todo! Por que não fazermos parte dela? Nosso objetivo é fazer um bom uso dessa ferramenta, tão importante para a transformação do mundo a nossa volta, dos espaços públicos, da nossa realidade como estudantes de uma Universidade Pública. Convocamos todos para participação ativa (como criadores, interventores, construtores) nesse espaço. Para que os blogs se sustentem como tais, é necessário que eles criem os links - ligações entre fontes, ligações entre informações, ligações entre seres humanos.
O CAHIS está apostando nessa perspectiva e lança o seu próprio blog com o intuito de ampliar os espaços de comunicação entre os estudantes de História da UFOP e a promover a relação destes com os demais estudantes brasileiros. Nosso blog não é apenas um espaço de divulgação das atividades de uma entidade acadêmica, não é apenas um espaço para publicação de belos artigos e aventuras literárias. Nosso blog abraça as lutas dos estudantes e da sociedade brasileira. Nosso blog não quer aceitar que a prepotência de uma revista semanal continue persuadindo a consciência de leitores (supostamente) inconscientes, tentando desconstruir a importância histórica de grandes movimentos e grandes personalidades que ousaram combater as injustiças do mundo. Inconformismo e rebeldia serão sempre nossas características, ainda que muitos tentem manchar os símbolos que ainda inspiram esses sentimentos. Acreditamos que contribuir para a construção desse novo espaço é contribuir para a nossa própria história e para a história do movimento estudantil em nossa universidade. Portanto, o espaço está aberto. Vamos ocupá-lo!

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

O autêntico pensamento crítico nunca se extingue

ENTREVISTA • ISTVÁN MÉSZÁROS

O pensador marxista húngaro István Mészáros está no Brasil entre os dias 20 e 21 para lançamento de seu novo livro O desafio e o fardo do tempo histórico (Editora Boitempo, R$57,00). Sua obra é conhecida pela perspectiva crítica à ordem do capital, dando continuidade e renovação ao legado de Marx. "Na contracorrente dos niilistas e dos acomodados à ordem, que proclamam não existir alternativa para o sistema de domínio social do capital, esse filósofo que não se furta ao embate ideológico vaticina que não há arremedo capaz de mitigar a gravidade extrema de suas contradições, permanentemente criadas e insolventes. A 'não-alternativa' ao capital, denuncia, significa a 'não-alternativa' para a sobreviência da própria humanidade. Sendo assim, a disputa no planeta hoje não se daria mais entre socialismo ou barbárie, mas entre socialismo ou extinção".
Às vésperas de sua última vinda ao Brasil, em 2006, para lançamento do livro A teoria da alienação em Marx, Mészaros concedeu uma entrevista a Ivana Jinkings, editora da revista Margem Esquerda e proprietária da Editora Boitempo. A seguir, reproduzimos alguns trechos da entrevista, publicada pela agência Carta Maior e reproduzida pelo site HistóriaNet. A íntegra da entrevista foi publicda no número 7 da revista Margem Esquerda. Os trechos que seguem servem aqui como objetos de refexão e discussão.

IVANA JINKINGS - Comecemos pela sua infância. Ainda menino, na Hungria, você trabalhou numa indústria de aviões de carga. Filho de mãe também operária, sua origem e essa experiência parecem ter sido decisivas em sua formação.

ISTVÁN MÉSZÁROS - Sem dúvida foram. Meu avô paterno foi um mineiro que morreu tragicamente na mina de carvão onde trabalhava, em acidente causado pela negligência criminosa dos proprietários e gerentes com os equipamentos de segurança, a exemplo do que continua ocorrendo em muitas partes do mundo. Essa lembrança sempre esteve presente em minha família. Além disso, os anos da minha infância coincidiram com a "grande crise mundial de 1929-33" e as suas conseqüências. Viver aqueles anos resultou certamente numa inesquecível experiência para todos os que foram jogados no caos dessa brutal crise. Minha atuação na fábrica de aviões de carga foi apenas a primeira das muitas que exerci, por exemplo, na fundição de aço em uma fábrica de tratores, em duas diferentes funções em fábricas têxteis (uma delas em um galpão gigantesco e ensurdecedor, com duzentas máquinas em operação), no pós-guerra, e no departamento de manutenção de uma ferrovia elétrica, que demandava o trabalho mais pesado de todos. Ao mesmo tempo, a solidariedade compartilhada entre as pessoas nesses diferentes locais de trabalho foi uma experiência comovente e compensadora. Uma compensação necessária para as privações e dificuldades que os trabalhadores, entre os quais, eu mesmo, por algum tempo, tiveram de enfrentar. Sempre que escrevo sobre a necessidade vital de solidariedade em qualquer sociedade viável do futuro, sem a qual a sobrevivência da espécie humana é inconcebível, eu o faço com a certeza de que a solidariedade não é um postulado idealizado, mas um poderoso princípio prático que guia e enriquece as relações humanas ainda hoje. O que aprendi em minha variada experiência laboral facilitou meu comprometimento com a visão de uma ordem mundial muito diferente, que precisamos ter como alternativa à nossa presente sociedade. Não aprendi sobre as condições de vida da classe trabalhadora por meio dos livros, eu as vivi diretamente e de muitas formas. Assim como não aprendi nos livros a total insustentabilidade da desigualdade feminina - sobre a qual discuti no capítulo 5 de 'Para além do capital'. Era suficiente comparar o meu pagamento, de um trabalhador muito jovem, com o da minha mãe, que recebia menos apesar de realizar um trabalho muito mais qualificado. Esses "fatos da vida" foram tão óbvios que era impossível ignorá-los ou esquecê-los. Pelo contrário, eles se tornaram orientações sobre meu modo de pensar todas as questões maiores. Percebi cedo que o mundo social, organizado com base nas desigualdades que presenciei diretamente, não poderia ser justificável nem sustentável. Naturalmente, levou muito tempo para que eu entendesse completamente porque uma ordem tão brutalmente desigual se constituiu na forma como hoje a sociedade se apresenta; mas compreendi também que existem as necessárias e socialmente sustentáveis - bem como humanamente justificáveis - alternativas correspondentes. Essa é a maneira pela qual uma experiência formadora mais ou menos difícil se torna, para melhor ou pior, uma parte orgânica do próprio modo de pensar e escrever. Talvez valha mencionar que o modo pelo qual os intelectuais definem suas posições nos seus escritos depende em grande medida da dinâmica da confrontação histórica em curso entre o capital e o trabalho. Como sabemos pelas experiências históricas passadas, evidências de um maior radicalismo no movimento trabalhista, denunciando as contradições da sua vida, agravadas sob o governo do capital, são seguidas por intelectuais tradicionais, que também tendem a assumir uma posição mais combativa. E, vice-versa, quando o trabalho é forçado a assumir uma postura mais defensiva, muitos intelectuais se tornam introvertidos, evasivos e desorientados. O lamentável conto da pós-modernidade oferece uma boa ilustração dessa matéria. Mas, indicar essa conexão objetiva não significa justificar as suas conseqüências negativas. Se tomarmos seriamente "a responsabilidade dos intelectuais", não poderia haver justificativa para a omissão. Sobre isso, Julien Benda escreveu, em meados dos anos 1920, um poderoso panfleto intitulado "La trahison des clercs", igualado em intensidade ao 'J'accuse', de Zola, no caso Dreyfus. Em 1951, Benda visitou a Hungria e tive o privilégio de conhecê-lo em casa de Lukács. Nas últimas três décadas, relembrei muitas vezes esse encontro e sua nobre resistência exposta aos colegas acadêmicos no "La trahison des clercs". Para todo intelectual crítico, é fundamental ter um papel na transformação social positiva, da qual necessitamos tão urgentemente. Eles não podem abdicar desse papel, mesmo quando parece haver alguma circunstância atenuadora. O desafiador panfleto de Benda é um persistente lembrete disso que ainda nos afeta, a todos.

IJ - Você tem dito que da forma como estão hoje as coisas, a tecnologia e a ciência – estreitamente limitadas pelas determinações fetichistas do capital – são usadas também para aumentar a insegurança do trabalho, ao lançar massas de trabalhadores no desemprego.

IM - É o 'downsizing produtivo' em nome do "avanço tecnológico". Assim o sujeito humano real fica à mercê de determinações desumanas nesse mundo louco do 'downsizing', em que a tecnologia parece ter assumido uma forma independente de vida, com vontade própria e poder incontestável de tomada de decisão. E, em vista das conseqüências destrutivas, não resta dúvida quanto à desejabilidade da tomada do controle sobre a ciência e a tecnologia capitalisticamente alienadas. [Jürgen] Habermas fantasia sobre o que denomina de "'cientização' da nossa tecnologia". A situação real é exatamente o contrário. Pois, durante o último século do desenvolvimento produtivo do capital, o que se viu só pode ser caracterizado como a crescente 'tecnologização da ciência', diretamente determinada pela intensificação das contradições do sistema e, ao longo da quatro últimas décadas, pela sua crise estrutural. Por isso, é imperativo que se assuma o controle sobre as forças que hoje parecem obedecer a uma lógica independente própria, de caráter 'hostil' e de impacto destrutivo claramente visível.
A sociedade de produtores livremente associados não pode abraçar a ilusão insistentemente promovida de que o "pequeno é bonito", com sua tecnologia igualmente ilusória. Esse princípio orientador não é mais realista do que esperar a reforma do capitalismo pela adoção do imposto Tobin (6). A sociedade tem de produzir o mais alto nível de tecnologia criativa para ter sucesso na satisfação das aspirações legítimas das grandes massas. E há de ser assim que a sociedade vai passar das restrições mutilantes e das limitações avarentas da exploração capitalista do tempo de trabalho para a riqueza que flui da organização da reprodução social sobre a base do 'tempo disponível' de seus indivíduos. Somente com esse tipo de estrutura social reprodutiva se poderá fazer desaparecer do quadro a hostilidade da tecnologia. Não há dúvida quanto à necessidade de "derrubar" as cercas protetoras do capital se quisermos transformar nossa relação inevitável, ainda que hoje desumanizadora e escravizadora, com a tecnologia numa outra sustentável.

IJ - De que forma isso pode ser feito? Como construir uma alternativa de esquerda?

IM - Com o "coração animado" e uma firme determinação. Conforme já se enfatizou antes, o autêntico pensamento crítico nunca se extingue, por mais que os interesses ocultos tentem impor conformidade universal. Não há possibilidade de esses esforços prevalecerem; nem mesmo sob as condições de uma ditadura militar resultante de crise importante, como pode atestar o povo brasileiro. Isso não se deve a alguma vaga obrigação moral, mas ao fato de a repressão permanente das vozes críticas entrar em conflito com os requisitos reprodutivos do sistema do capital. Sob determinadas condições históricas elas podem ser suspensas, mas em hipótese alguma permanentemente. Está longe de ser acidental que, com o passar do tempo, os estados de emergência impostos pelas ditaduras militares gerem suas próprias crises, trazendo consigo a reconstituição da "normalidade" capitalista, com suas tradicionais "regras do jogo" e as correspondentes instituições políticas. Mais uma vez, os brasileiros conhecem bem essas mudanças. O grande desafio do nosso tempo, portanto, é descobrir como 'ampliar significativamente a margem do pensamento crítico'. Vivemos sob as condições da crise estrutural do capital e simultaneamente com a 'crise estrutural da política'. As formas e instituições tradicionais da política, inclusive os partidos políticos e o Parlamento, já não são capazes de assegurar nos seus próprios domínios os requisitos reprodutivos do sistema do capital. O fato de terem sido privadas de seus antigos poderes de tomada de decisão, em virtude da profunda crise estrutural da ordem social metabólica estabelecida, não resolve coisa alguma. Apenas enfatiza a total inviabilidade das condições prevalentes, ainda que, para se armarem de coragem, os ideólogos do sistema continuem a recitar em voz alta, e no escuro, o credo de que "não existe alternativa". Ao mesmo tempo, os mais implacáveis, como os 'neocons' nos Estados Unidos, continuam a fantasiar que a solução da crise está na imposição ubíqua, por meios militares, das formas mais autoritárias de governo propostas abertamente. Não foram capazes nem de entender o significado dos requisitos reprodutivos do capital, muito menos de admitir que seu "remédio" está em nítido desacordo com esses requisitos. O Estado, apesar de seu papel crucial para a sobrevivência do sistema, não é de forma alguma uma 'entidade homogênea'. Pelo contrário, é cheio de contradições. Se o Estado pudesse se transformar numa entidade homogênea, não haveria espaço para o pensamento crítico. Assim, seriam sombrias as perspectivas de uma solução viável para a crise estrutural de nossa ordem social. Mas a conflituosidade irreprimível das relações manifesta no funcionamento estatal oferece também 'alavancagem' para desenvolvimentos positivos possíveis. Ao longo do século passado - para ser mais preciso, desde o surgimento do imperialismo moderno - a subserviência do Estado às grandes corporações aprofundou-se, resultando na defesa ativa de relações socioeconômicas cada vez mais iníquas. Sob esse aspecto, vale lembrar que depois da Segunda Guerra Mundial os governos formados pelos partidos social-democratas proclamaram orgulhosamente a política de "tributação progressiva" e a diminuição da desigualdade social implícita nessa política. Ironicamente, não somente eles não conseguiram cumprir suas promessas, mas o que vimos na verdade foi exatamente o contrário do que foi alardeado..

IJ - Na sua opinião, existe alguma possibilidade de melhoria sem uma mudança radical da forma como hoje reproduzimos nossas condições de existência?

IM - Não. A matriz das aspirações de emancipação não pode em hipótese alguma estar no sistema do capital. Se estivermos seriamente interessados na realização completa do mandato emancipador, com suas dimensões formais e informais, teremos de imaginar uma ordem metabólica social da qual se removam todas as determinações e defeitos incorrigíveis do capital. Evidentemente é preciso ter em conta o fato de que são necessários muitos passos até que se chegue àquele estágio, e que eles não podem ser dados num futuro hipotético. É preciso começar imediatamente, no presente, assumindo o controle das alavancagens e mediações práticas pelas quais deve passar o progresso, desde o presente realmente existente até o futuro esperado. É fundamental ter uma boa avaliação das nossas forças e recursos, tal como definidos pelas restrições do presente e pelas mediações mais ou menos limitadas ao nosso alcance. Mas nem mesmo um progresso reduzido será possível se não tivermos uma estrutura estratégica de orientação: um 'objetivo geral' que pretendemos atingir. O convite a se deixar orientar pela defesa estratégica da "mudança gradual" pode superficialmente parecer tentador. Mas na realidade essa proposta é enganadora e desorientadora, pois tende a permanecer cega se não se integrar numa estrutura estratégica abrangente, o que equivale a cancelar a nossa autodefinição retórica e geradora de slogans. IJ - Como você avalia o recente avanço da esquerda na América Latina? Seria uma tendência real no continente? IM - Acredito que é uma tendência em desenvolvimento concreto, de verdadeira e grande importância. Na presente conjuntura, de transformações históricas de longo alcance, as potenciais implicações do avanço da esquerda na América Latina, nas nossas previsões "globalizantes", são universais, muito além das fronteiras do continente. Da mesma maneira, tenho plena convicção de que a globalização capitalista não pode ser mantida, apesar de todos os esforços econômicos, políticos e propagandísticos investidos nela. Quando falamos sobre as esperançosas perspectivas do avanço da esquerda na América Latina, não podemos exagerar a importância de alguns êxitos eleitorais, os quais são anulados por infelizes reveses no terreno socioeconômico e político, confirmando assim o ditado francês "plus ça change, plus c'est la même chose". Para isso, podemos apontar no passado recente algumas muito dolorosas decepções em mais de um país latino-americano. Ou seja, dadas as condições da globalização necessária, essas conquistas da esquerda somente podem ser consideradas potencialmente duradouras, o que poderia ser 'generalizado' no curso correspondente, isto é, 'sustentável socialmente, como uma alternativa viável em escala global adequada'. O que decide essas questões é o 'componente social' das mudanças que seguem o sucesso político, e não uma vitória eleitoral, mesmo que pareça espetacular à primeira vista. Isso explica porque o presidente Hugo Chávez fala inequivocamente sobre a dura alternativa do "socialismo ou barbárie" e sobre a necessária 'ofensiva' para derrotar as forças da barbárie. A articulação e a consolidação das forças da esquerda na América Latina trariam, obviamente, conseqüências imensas para os Estados Unidos e, inevitavelmente, para o resto do mundo. Eu cultivo essa esperança desde 1971, quando tive a oportunidade de conhecer melhor as condições de muitos países latino-americanos ao lecionar, pela primeira vez, na Universidade Nacional Autônoma do México (Unam). Desde então, aconteceram muitas coisas e, de fato, mais recentemente em uma direção positiva. A fase de dominação semicolonial dos Estados Unidos sobre a América Latina está sendo derrotada em todo o continente. A necessária solução passa pela formação de uma 'estrutura unificada', que surgiu com Bolívar no horizonte histórico da América Latina há quase dois séculos. Onde no mundo podemos encontrar um projeto histórico mais válido e mais profundamente enraizado a esse respeito? A criação de uma unidade de trabalho - por meio da Alba (Alternativa Bolivariana das Américas) e de outras substanciais iniciativas de cooperação - não seria efetiva apenas em barrar a continuidade dos esforços neocoloniais norte-americanos, mas também um exemplo para outras regiões do planeta, nas quais a necessidade de cooperação concreta, com um declarado conteúdo socialista, é igualmente grande. É assim que os avanços da esquerda na América Latina podem se tornar generalizáveis no curso correspondente, como um elemento vital para uma mudança histórica duradoura.

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Henfil revisitado

ILUSTRAÇÃO

Publicamos aqui uma seqüência de cartuns publicados no Pasquim (número 200) de maio de 1973. Quase 35 anos se passaram e as imagens produzidas por Henfil continuam atuais. Um brinde ao pequeno dicionário da classe média! Clique nas imagens para vê-las em boa resolução.



















quarta-feira, 14 de novembro de 2007

O público na privada

POR DIEGO OMAR • MESTRANDO EM HISTÓRIA
TEXTO PUBLICADO ORIGINALMENTE N'O MEGAFONE, Nº 1.


Há sempre alguém para dizer que todos nós temos responsabilidade sobre a Universidade Pública, que por ser pública ela deve ser gerida de forma conjunta, colegiada, de uma forma que favoreça a participação de todos... mas quando esses assuntos públicos entram em meu “cadinho de chão”... chega: enfiamos o público na privada (!) ou tratamos de assegurar nosso direito (quase) privado sobre o público.

Que ninguém dê muita validade nem atenção para aqueles que vivem chamando a atenção para o fato de que “a responsabilidade é de todos” já é difícil de aceitar, mas que queiram agora enfiar essa máxima no ralo, ops... na privada, é algo que nos motiva uma reação.

Há mais de cinco anos a Universidade vem ensaiando um estatuto para as repúblicas federais de Mariana (as Moitas) que nunca saiu do papel... um processo marcado por um misto de incompetência, falta de decisão e resistências, mas sobretudo por uma confusão terrível que atravessa nossa distinção entre o que é público e o que é privado. E temos então que afirmar o óbvio: é preciso um estatuto não apenas porque as repúblicas são públicas (e isso já beira o trágico e não o poético), mas porque é preciso criar uma consciência de que aquilo pertence a todos.

Não dá mais para criticar o pandemônio das repúblicas federais de Ouro Preto (cujos critérios de admissão são malucos e servem pouco aos que mais precisam) se nos negamos a entregar os critérios de admissão à Universidade e se os alunos que residem em espaços públicos sequer aceitam declarar que residem nesses espaços públicos, e não aceitam se submeter a regras de conduta públicas, pautadas em um estatuto que é igualmente público.

Longe de ser repressivo, isso é necessário. E é impressionante que, mesmo sendo de uma geração que não viveu na pele a ditadura, estejamos ainda tão impregnados com um ranço autoritário que vê em toda normatização uma camisa de força. Sem ilusões... é preciso mudar a nós mesmos se queremos mudar os outros... e durante muito tempo criticamos as repúblicas de Ouro Preto sem sequer olhar para aquilo que nos era tão próximo, tão familiar. Que o estatuto das Moitas é um passo a frente na delimitação e conscientização de que aquele é um espaço público, “óbvio ululante” diria Nelson Rodrigues; mas é preciso ir mais longe, pois a responsabilidade sobre este estatuto (e isso nos parece essencial afirmar) “é de todos”.

Crime e castigo

POR GUSTAVO FECHUS • ESTUDANTE DE LETRAS
TEXTO PUBLICADO ORIGINALMENTE N'O MEGAFONE

Apropriar-me do célebre título de Dostoiévski parece-me razoável para delatar a morna passividade discente que nos torna tanto criminosos quanto castigados. A irresponsável isenção da parte dos universitários, salvo isolados grupos de agudo bom senso, referente às discussões do REUNI, compromete as bases já abaladas da realidade acadêmica pública.

À mais modesta análise, pode-se tatear os relevos de um projeto precário que prevê de maneira desordenada o alargamento das vagas nas salas de aula, investimentos paliativos do Governo Federal nas universidades públicas, além de pretensões à taxa de 90% de aprovação dos estudantes – medida que não é senão eufemismo de aprovação automática – filme este conhecido de todos nós, que mascara a realidade de analfabetos funcionais pelo Brasil afora.

Precisa-se, portanto, de uma movimentação estudantil, que não é individual, mas coletiva e abrangente, para discutir mais um projeto que é de eficiência contestável (para ser devidamente polido) e, paradoxalmente, inflamável à debilitada saúde do ensino público brasileiro. De maneira preocupante, uma postura abstencionista tem nos tornado principais personagens da passividade inaceitável que nos fará réus confessos: a qualidade ou não da educação pública depende também da nossa voz. Calarmos nos ratifica responsáveis pela decomposição iminente, participantes e concordes do descaso com a qualidade do ensino público.

É evidente que é preciso aumentar o acesso aos cursos superiores, estender o ensino qualificado ao maior número de pessoas possível, investir na escolaridade da população brasileira. No entanto, essas iniciativas devem ser tomadas de maneira responsável e conseqüente, tendo à vista a manutenção e o progresso da qualidade educacional, iniciativas que não comprometam as tímidas conquistas alcançadas a passos curtos pelo Governo.

Omissos e complacentes, seremos não mais que criminosos libertos e disfarçados de estudantes, alheios aos castigos inevitáveis e reais que nos desnudam os corpos inertes. Toda Nudez Será Castigada.

domingo, 11 de novembro de 2007

Arranha-céus em Mariana? Não. É só o preço dos imóveis que está nas nuvens.

POR PABLO DE SOUZA • ESTUDANTE DE HISTÓRIA

Mariana não é um dos piores lugares para viver, exceto pela falta de escrúpulos de nossos especuladores imobiliários. É cada vez mais difícil morar de aluguel numa cidade em que o espírito explorador dos primeiros povoadores da terra ainda sobrevive na manha gananciosa dos contemporâneos que sugam os salários de inquilinos desavisados.

Um caso específico foi o que eu e meus co-republicanos vivenciamos. Pagando os aluguéis rigorosamente no dia combinado, mantendo um relacionamento ameno com os vizinhos, não representando qualquer tipo de perturbação à tranqüilidade pública, atendendo a todos os compromissos e deveres acertados em contrato assinado com a imobiliária, não haveria razões aparentes para que o proprietário da casa em que morávamos desejasse nossa saída. No entanto, recebemos uma ordem de despejo sob a alegação de que o proprietário necessitaria do imóvel para uso próprio, uma vez que, morador de um distrito afastado e tendo sua senhora adoentada, carecia morar em Mariana para melhor tratar a saúde de sua adorável esposa. Ou a melhora da velha foi súbita ou a história era mera lorota para assegurar seus direitos na condição de locatário. O certo é que um mês após a nossa saída, a mesma casa que alugávamos por R$630,00 estava agora disponível no mercado por nada menos que R$1.300,00!!!

Não somos as únicas vítimas da cobiça de indivíduos que vêm na especulação uma forma de tirar proveitos materiais, mesmo à custa da angústia de outros indivíduos. Conhecemos não apenas casos de estudantes que tiveram que transferir suas repúblicas de imóvel pelas exigências de proprietários insaciáveis, mas sabemos de famílias inteiras que tiveram que acatar os desmandos covardes para devolver aos seus donos os espaços de onde extraem suas rendas mensais, a fim de que eles operem essa lógica insana e desumana da especulação. Em nossa jornada, procurando uma nova casa após receber o aviso de despejo, deparamo-nos com várias histórias semelhantes. Nessa procura, além de tudo, não era nada difícil encontrar casas péssimas, mal localizadas, descuidadas e com uma série de danificações e prejuízos perceptíveis ao primeiro correr de olhos. Invariavelmente, como se os problemas estruturais fossem insignificantes, os preços eram absurdos.

Sabemos que a situação atual é resultado direto da expansão das mineradoras, cuja demanda de serviços traz várias empreiteiras e trabalhadores de fora para cumprir serviços temporários. O duro é saber que a foice da ganância, cujos alvos são as grandes empresas que buscam abrigar seus funcionários durante a empreitada, abate também inumeráveis famílias, trabalhadores e jovens estudantes que, nativos ou não, buscam em Mariana oportunidades e qualidade de vida.

A tragédia deve prosseguir até 2010, prazo para conclusão dos projetos expansionistas? É o que dizem! Enquanto isso, aqueles que detêm a propriedade de imóveis disponíveis para locação optam por elevar os preços de suas casas a níveis estratosféricos na crença incontestável de que empresas alienígenas possam topar o negócio. Preferem isto (mesmo sabendo as conseqüências danosas para o seu patrimônio e sua consciência) a manter o preço real, que poderia atrair inquilinos duradouros e bons pagadores. Estes engolem a seco aluguéis que superam em muito os R$10,00 por metro quadrado construído, média praticada somente nos centros urbanos que apresentam os mais elevados custos, como São Paulo e Brasília.

Estamos pagando o preço do progresso da cidade? Ou ainda vivemos no mundo daqueles que primeiro chegaram às lavras do Ribeirão do Carmo para explorar a terra e obter riqueza fácil pelos braços alheios?